PÉ NA COVA

-- sábado, abril 02, 2005

Depois de ver o semblante sem qualquer expressão e o pequenos olhos cerrados, com uma pele já azulada e a cabeça inchada e cheia de hematomas, sem apresentar nem o pescoço na sua forma normal, foi que não restou mais dúvidas. Realmente aquele sujeito inerte, esmaecido, estava morto. Choque total para a família. Rios enormes de dinheiro gastos na empreitada de revê-lo uma última vez, mesmo que inanimado. Filho, filhas e esposa simplesmente sem expressão, sem alegria, sem sentimento, sem esperança, sem conforto, sem consolo. Na missa de despedida, dezenas de indivíduos do mesmo modo: mãe, irmãos, colegas, amigos, sobrinhos e tantos outros parentes e conhecidos. À frente, aquele recipiente de madeira, vidro e tecido contendo um amontoado de carne e ossos que agora são inúteis. Nas despedidas finais, comoção, sofrimento, angústia e comiseração. Aquele ser sem sentimento, frio, chamado Herenvarno, mais uma vez fracassou e não conseguiu fazer rolar uma lágrima até o queixo. No entando, chorou. Chorou muito. Não por fora. Seus olhos pesados, querendo cair ao chão, sua cabeça se sentia em pedaços, sem saber o que fazer, o que falar. Sim, sentiu tudo o que os outros sentiram. Apesar de não ter brincado com ele quando eram pequenos [talvez porque ele tivesse uns 32 anos quando nasceu], não ser um parente de sangue e não ter tido uma relação tão próxima quanto gostaria, Herenvarno aprendeu a amá-lo como um dos meus e a respeitá-lo como um homem.

Mas afinal, o que é a vida?
O corpo tem realmente um espírito? Se tem, quando é que ele ganha um? Quabdo nasce, quando o óvulo é fecundado? Quando?! O que acontece com a tal alma quando o corpo não tem mais função? Quando que ele sabe, "agora deu pra bola, não vou voltar mesmo"? Onde ele fica? Ele tem consciência? Ele sente culpa? Como uma alma nasce? Se ela existe, não aconteceria que, mais cedo ou mais trade, o "Local" pra onde elas vão ficaria lotado? Ou é por isso que elas reencarnam, pra manter o controle demográfico d'O Local? Sendo assim, por que ela não lembra do corpo passado que teve? Ou isso tudo é uma marmelada e a vida mesmo é apenas uma faísca, igual àquela do nque criou o primeiro ser vivo do mundo, que desaparece de vez quando se apaga? A vida não faz o menor sentido.

"A VIDA VALE PELO QUE TEM DE MÁGICO,
DE ABISMO,
DE ESPANTO.
VALE POR SEUS MEDOS, SEUS DESEJOS,
SEUS AFAGOS.
SE ELA TERMINA AQUI POR QUALQUER ACASO,
EM OUTRO LUGAR CONTINUA A EXIXTIR PERENEMENTE,
SOB UM CÉU QUE NÃO VEMOS
E UM SOL QUE NUNCA QUEIMA."

Bem, não sei se é verdade isso aí, mas é o que está escrito na lembrança do velório dele. Não sei se são suas palavras.Mas enfim, esse post é, claro, dedicado a ele, como uma singela homenagem.

JOÃO PEDRO PINHEIRO DA ROSA
[20/02/1953 - 30/03/2005]

Herenvarno proferiu às 03:49